Entre as caminhadas do nada, um suspiro.
Era antigo, era feliz, era novo.
O Nada não era... nada. Ele só não era a existência da ausência, como também significava a presença.
Cada fragmento dali possuía uma consciência perfeita, e por isso raramente se manisfestavam.
Daí surgiu o nada, aliás, daí surgiu a inexistência da criação do nada. Esses fragmentos de Nenhum já conheciam o próximo como a si mesmo, e por isso não era necessário a busca por opinião.
O silêncio e arrogância auto-declarada dos que sabiam demais (todos, no caso) trouxe nada mais do que o silêncio, a solidão constante.
Um dia, um fragmento decidiu se questionar. Adiantar que não podia saber de nada... Pois era o Nada.
O questionamento trouxe luz, um suspiro de alívio, foi inesperado e foi relaxante.
Era a mão levantada na sala de aula opressora.
Era o branco substituindo o cinza nas avenidas.
Eram as janelas do arranha-céu abrindo-se para que o ar possa entrar.
A fenda no espaço-tempo criou-se, em um período onde o nada era absoluto. Ali foi um começo de algo, uma máquina. A máquina da criação.
Capturando os inexistentes fragmentos inexistentes, eles eram jogados para dentro de um novo plano, de uma nova dimensão. Era uma expansão.
O nada estava começando a virar o Todo.
E a partícula? A causa primeira?
Nunca foi jogada na máquina da criação, já foi, ou é a máquina da criação?
Não se saberá, talvez nunca.
A questão é a transformação, o início de um novo ano, de uma nova fase, que não tem um marco definido, e sim um evento.
Se este fragmento heroico, o líder da revolução contra os iguais, pudesse falar, acredito que diria:
"Não preciso existir para comprovar-me. A minha pura contribuição já está feita, e a maior prova é feita em um movimento do que um dia se chamará "olhos". E ela se dá pela imperfeição, ao olhar os pobres animais, testemunhos de sua brilhante idiotice."
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
O Andar do Presidiário
"Dou valor às coisas quando elas ainda não sabem andar."
O repórter deixou de anotar essa frase em seu bloco. Virou para o preso - que com um sorriso estranho e irritadiço disse que estava negando a falsidade. Já estava condenado, não havia motivos para mentir. Não mais.
-Então, você gosta de crianças, senhor Victor?
-Não nesse tom. Não sou pedófilo. Eu acredito no milagre da vida enquanto ele impressiona.
-Como assim? Poderia detalhar mais?
-Mas é claro.
O residente número 279 hoje morava em uma pequena cela cinza. Uma única janela permitia a entrada de luz, mas, com barras de ferro estridentes e depressivas, negava a chance de liberdade.
Rodando sua cadeira de rodas no sentido contrário das barras, que separavam o repórter justo e o criminoso, dirigiu-se à sua cama.
Embaixo do travesseiro, retirou uma boneca de pano.
-Eu a fiz. Escondi do meu pai, para que ele não me chamasse de viado. Mas eu a fiz, e escondi. Até hoje, como pode ver, eu a escondo. Aqui, tente fazer-la andar.
-Isso, senhor - Disse o repórter rindo - é impossível.
-Qual é seu nome?
-Gabriel.
-Gabriel, você já viu um parto?
-Não.
-Você já viu um feto?
-Não.
-Você já viu um feto deformado?
Uma batida violenta é ouvida. Um guarda, com um porrete, fizera tremer as grades, pedindo para o prisioneiro parar.
-Então. Não. - Enfrentou-o.
-Então, veja. Aquele pequeno bolo de massa, com olhos fechados, e uma feição despregada de vida irá te surpreender.
Enquanto o repórter tentava imaginar a cena, em suspeitas de vômito, o residente voltava à posição inicial, de frente para a grade.
-Aí ele cresce. E você tem medo, tem medo que ele fique lá, parado, para sempre, nunca saia da barriga de sua mulher. Aí ela pari. É um sucesso, você é pai! Aí o filho demora a andar. E você tem medo dele ser retardado e não conseguir se movimentar.
Gabriel esperava que o guarda viesse salvar sua sanidade, mas esse já fora passear, cansado e entediado das baboseiras do presidiário. Pensou em gritar. Decidiu não.
-Aí, meu filho, ele se mexe. E aí, será que ele levanta? Levanta. É um medo. O maior medo é ele levantar. E ele levanta. A partir daí, você tem 80% de segurança dele ser uma pessoa normal. Caso provado que ele não é deficiente mental, pronto. Sua única preocupação como pai é fazer-lo ganhar o mundo.
-E... E a partir daí que ele não ganha mais sua confiança?
-Claro que não ganha. Ele é embutido de ganhar o mundo, aprender coisas que irão desafiar e moldar seu caráter. Aprende que ele tem um caminho seguro e retilíneo. Ele esquece de todo o mundo em volta, só se importa em andar. Andar, andar, andar, andar. São poucos os que decidem olhar em volta. Eu julgo o aprendizado à andar uma preparação para o mundo moderno.
Victor engasga.
-E eu tenho medo - ele escarra no chão - do mundo moderno.
-Então, senhor, isso é uma metáfora?
-Não, filho. São apenas bobeiras de um velho presidiário.
Após segundos de silêncio, Victor bate na grade.
-É claro que é uma metáfora! - Ecoa o grito junto com o soar das grades tenebrosas.
-Opa! - Diz Gabriel, jogando-se para trás em um teor de susto. Ele consegue ouvir passos. Ajuda.
-Eu tenho medo do mundo moderno porque o homem acha que sabe de tudo!
Guardas são vistos no horizonte, dois na verdade.
-Gabriel, você tem certeza que essa boneca não anda? Pois tenha medo. Medo é o que nos faz evoluir. Depois que andamos, quase não temos mais medo de cair!
Um dos guardas abre a porta, outro puxa um Taser. O repórter vira as costas e vai embora.
Após andar alguns metros, ouviu as descargas e os gritos. Decidira voltar e pegar a boneca.
E, quando o fizera, vira o homem jogado em seu próprio corpo. A cadeira era levada por um guarda, enfurecido. O outro examina a cela.
Gabriel foi embora com medo que ele tivesse morrido.
O repórter deixou de anotar essa frase em seu bloco. Virou para o preso - que com um sorriso estranho e irritadiço disse que estava negando a falsidade. Já estava condenado, não havia motivos para mentir. Não mais.
-Então, você gosta de crianças, senhor Victor?
-Não nesse tom. Não sou pedófilo. Eu acredito no milagre da vida enquanto ele impressiona.
-Como assim? Poderia detalhar mais?
-Mas é claro.
O residente número 279 hoje morava em uma pequena cela cinza. Uma única janela permitia a entrada de luz, mas, com barras de ferro estridentes e depressivas, negava a chance de liberdade.
Rodando sua cadeira de rodas no sentido contrário das barras, que separavam o repórter justo e o criminoso, dirigiu-se à sua cama.
Embaixo do travesseiro, retirou uma boneca de pano.
-Eu a fiz. Escondi do meu pai, para que ele não me chamasse de viado. Mas eu a fiz, e escondi. Até hoje, como pode ver, eu a escondo. Aqui, tente fazer-la andar.
-Isso, senhor - Disse o repórter rindo - é impossível.
-Qual é seu nome?
-Gabriel.
-Gabriel, você já viu um parto?
-Não.
-Você já viu um feto?
-Não.
-Você já viu um feto deformado?
Uma batida violenta é ouvida. Um guarda, com um porrete, fizera tremer as grades, pedindo para o prisioneiro parar.
-Então. Não. - Enfrentou-o.
-Então, veja. Aquele pequeno bolo de massa, com olhos fechados, e uma feição despregada de vida irá te surpreender.
Enquanto o repórter tentava imaginar a cena, em suspeitas de vômito, o residente voltava à posição inicial, de frente para a grade.
-Aí ele cresce. E você tem medo, tem medo que ele fique lá, parado, para sempre, nunca saia da barriga de sua mulher. Aí ela pari. É um sucesso, você é pai! Aí o filho demora a andar. E você tem medo dele ser retardado e não conseguir se movimentar.
Gabriel esperava que o guarda viesse salvar sua sanidade, mas esse já fora passear, cansado e entediado das baboseiras do presidiário. Pensou em gritar. Decidiu não.
-Aí, meu filho, ele se mexe. E aí, será que ele levanta? Levanta. É um medo. O maior medo é ele levantar. E ele levanta. A partir daí, você tem 80% de segurança dele ser uma pessoa normal. Caso provado que ele não é deficiente mental, pronto. Sua única preocupação como pai é fazer-lo ganhar o mundo.
-E... E a partir daí que ele não ganha mais sua confiança?
-Claro que não ganha. Ele é embutido de ganhar o mundo, aprender coisas que irão desafiar e moldar seu caráter. Aprende que ele tem um caminho seguro e retilíneo. Ele esquece de todo o mundo em volta, só se importa em andar. Andar, andar, andar, andar. São poucos os que decidem olhar em volta. Eu julgo o aprendizado à andar uma preparação para o mundo moderno.
Victor engasga.
-E eu tenho medo - ele escarra no chão - do mundo moderno.
-Então, senhor, isso é uma metáfora?
-Não, filho. São apenas bobeiras de um velho presidiário.
Após segundos de silêncio, Victor bate na grade.
-É claro que é uma metáfora! - Ecoa o grito junto com o soar das grades tenebrosas.
-Opa! - Diz Gabriel, jogando-se para trás em um teor de susto. Ele consegue ouvir passos. Ajuda.
-Eu tenho medo do mundo moderno porque o homem acha que sabe de tudo!
Guardas são vistos no horizonte, dois na verdade.
-Gabriel, você tem certeza que essa boneca não anda? Pois tenha medo. Medo é o que nos faz evoluir. Depois que andamos, quase não temos mais medo de cair!
Um dos guardas abre a porta, outro puxa um Taser. O repórter vira as costas e vai embora.
Após andar alguns metros, ouviu as descargas e os gritos. Decidira voltar e pegar a boneca.
E, quando o fizera, vira o homem jogado em seu próprio corpo. A cadeira era levada por um guarda, enfurecido. O outro examina a cela.
Gabriel foi embora com medo que ele tivesse morrido.
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