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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O Andar do Presidiário

"Dou valor às coisas quando elas ainda não sabem andar."

O repórter deixou de anotar essa frase em seu bloco. Virou para o preso - que com um sorriso estranho e irritadiço disse que estava negando a falsidade. Já estava condenado, não havia motivos para mentir. Não mais.

-Então, você gosta de crianças, senhor Victor?
-Não nesse tom. Não sou pedófilo. Eu acredito no milagre da vida enquanto ele impressiona.
-Como assim? Poderia detalhar mais?
-Mas é claro.

O residente número 279 hoje morava em uma pequena cela cinza. Uma única janela permitia a entrada de luz, mas, com barras de ferro estridentes e depressivas, negava a chance de liberdade.
Rodando sua cadeira de rodas no sentido contrário das barras, que separavam o repórter justo e o criminoso, dirigiu-se à sua cama.

Embaixo do travesseiro, retirou uma boneca de pano.
-Eu a fiz. Escondi do meu pai, para que ele não me chamasse de viado. Mas eu a fiz, e escondi. Até hoje, como pode ver, eu a escondo. Aqui, tente fazer-la andar.
-Isso, senhor - Disse o repórter rindo - é impossível.
-Qual é seu nome?
-Gabriel.
-Gabriel, você já viu um parto?
-Não.
-Você já viu um feto?
-Não.
-Você já viu um feto deformado?

Uma batida violenta é ouvida. Um guarda, com um porrete, fizera tremer as grades, pedindo para o prisioneiro parar.

-Então. Não. - Enfrentou-o.
-Então, veja. Aquele pequeno bolo de massa, com olhos fechados, e uma feição despregada de vida irá te surpreender.

Enquanto o repórter tentava imaginar a cena, em suspeitas de vômito, o residente voltava à posição inicial, de frente para a grade.

-Aí ele cresce. E você tem medo, tem medo que ele fique lá, parado, para sempre, nunca saia da barriga de sua mulher. Aí ela pari. É um sucesso, você é pai! Aí o filho demora a andar. E você tem medo dele ser retardado e não conseguir se movimentar.

Gabriel esperava que o guarda viesse salvar sua sanidade, mas esse já fora passear, cansado e entediado das baboseiras do presidiário. Pensou em gritar. Decidiu não.

-Aí, meu filho, ele se mexe. E aí, será que ele levanta? Levanta. É um medo. O maior medo é ele levantar. E ele levanta. A partir daí, você tem 80% de segurança dele ser uma pessoa normal. Caso provado que ele não é deficiente mental, pronto. Sua única preocupação como pai é fazer-lo ganhar o mundo.
-E... E a partir daí que ele não ganha mais sua confiança?
-Claro que não ganha. Ele é embutido de ganhar o mundo, aprender coisas que irão desafiar e moldar seu caráter. Aprende que ele tem um caminho seguro e retilíneo. Ele esquece de todo o mundo em volta, só se importa em andar. Andar, andar, andar, andar. São poucos os que decidem olhar em volta. Eu julgo o aprendizado à andar uma preparação para o mundo moderno.

Victor engasga.

-E eu tenho medo - ele escarra no chão - do mundo moderno.
-Então, senhor, isso é uma metáfora?
-Não, filho. São apenas bobeiras de um velho presidiário.

Após segundos de silêncio, Victor bate na grade.

-É claro que é uma metáfora! - Ecoa o grito junto com o soar das grades tenebrosas.
-Opa! - Diz Gabriel, jogando-se para trás em um teor de susto. Ele consegue ouvir passos. Ajuda.
-Eu tenho medo do mundo moderno porque o homem acha que sabe de tudo!

Guardas são vistos no horizonte, dois na verdade.

-Gabriel, você tem certeza que essa boneca não anda? Pois tenha medo. Medo é o que nos faz evoluir. Depois que andamos, quase não temos mais medo de cair!

Um dos guardas abre a porta, outro puxa um Taser. O repórter vira as costas e vai embora.

Após andar alguns metros, ouviu as descargas e os gritos. Decidira voltar e pegar a boneca.
E, quando o fizera, vira o homem jogado em seu próprio corpo. A cadeira era levada por um guarda, enfurecido. O outro examina a cela.

Gabriel foi embora com medo que ele tivesse morrido.

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