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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Dois Vasos Verdes Vazios, Preenchidos de Emoção

Apaixonado por uma mulher, entrei na loja de flores. Não sabia o que comprar, não sabia qual daquelas metonímias da natureza eu iria levar, não sabia escolher um grupo para atiçar o amor. Não sabia nem se ao menos ela iria aceitar, ou se eu iria ter coragem de entregar.

O dono olhou pra mim vestido com seus óculos, embaçados. A loja praticamente toda vestida de madeira, até mais do que seria necessário. As paredes eram preenchidas por tábuas, uma colada do lado da outra. O chão, este de granito, chegava a ser escorregadio de tão limpo. O teto, de palha. Era uma cabana. Ou parecia ser.

Ele possuía o cabelo repartido ao meio, e escorrido para os lados. Rugas eram visíveis, especialmente perto dos olhos. Estava perfeitamente barbeado. Sua camisa social era posta dentro da calça, e as luvas estavam sujas com terra. Era tudo que consegui ver enquanto ele estava no balcão, mexendo em um ou dois vasos.

-Bom dia.
-Bom dia!

Meu caloroso comprimento o fez abrir um sorriso. Enquanto ele cuidava dos seus afazeres, eu sonhava em entregar o presente. Seria em uma floresta, ela viria com o vestido coberto de girassóis. O raio de sol seria refletido em todos os ângulos dessa mulher, minha mais nova obsessão. Entregaria para ela, e nos beijaríamos, enquanto eu sentiria ainda toda a vegetação que acompanhasse seu vestido roçar durante meu corpo.

Passando os dedos, escolhi uma. Não sou especialista, já disse isso. Mas aquele verde, era o dos olhos dela. Exatamente daquele profundo e claro verde. Daquele oceano misterioso, formado de algas e vida, que residia naquela face tão serena.

Uma flor verde, quem diria.

Levei ao caixa, não sei porquê. Talvez entregasse para um mendigo na volta à casa, ou para a minha mãe. Não fazia diferença.

-Olá - esperei ele parar de realizar suas tarefas e me encarar com seus óculos turvos - Eu gostaria de levar essa flor. Quanto custa?

Ele tirou-a de minha mão e a segurou delicadamente. Com certeza para demonstrar que eu não estava sabendo manipular aquele fragmento de beleza natural.

-Não são todos que escolhem uma flor dessas. Posso perguntar qual é a ocasião?
-Claro. Na verdade, nem eu sei ao certo. Lembrei de uma garota, e quis comprar. É mais pela intenção, não que eu chegue a entregar-la. Na verdade, só nos falamos uma vez. Ela é a mulher da minha vida, sei disso.

Desabafei. Precisava disso. Contar meus problemas, e esperar que ele tivesse passado pela mesma coisa. E que seria a esposa dele, e que estivessem juntos depois de anos. Esperava que ele contasse que era igual a mim, que iria acontecer um certo número de incidentes, e tudo daria certo.

-Se ela te causou este sentimento, meu filho, ela deve ser muito bonita.
-A mais bonita de todas as regiões que eu já passei, senhor. América, Europa. Nenhuma equipara aos olhos dela.
-Você já a chamou para sair?
-Ela não me dá bola. Não gosta de mim.
-Qual o nome dela, filho? Ela estuda por aqui por perto?

Contei toda a jornada de meu amor platônico. Como minha alma se alegrara em nossa pequena e única conversa, e como os olhos dela vigiavam meus sonhos como um fantasma vingativo.

-Faça o seguinte, largue essa flor. Eu vou te ajudar. Enquanto isso, amanhã aborde-a, descaradamente. Fale que um homem do correio a procurava. Mandarei meu assistente ajudar, se passando. Ele encaminhará a sua amada até aqui, e entregarei a flor para que você entregue a ela. Assim você não perde o dinheiro a toa.

Era muito melhor do que eu esperava. Só esperava ter coragem. Deixei minha promessa e um pouco de esperança. Fui dormir, ou tentar. Minha esperança estava solta, era um iludido e um alienado. Eu estava apaixonado.

Acordei. Falei com ela, não sei com qual motivação, mas consegui. O assistente, um homem negro e baixo, parou com uma moto amarela, me fez um sinal antes de conversar com ela propriamente. Após terminada, ela andou em passo acelerado. Deixei-a ir um pouco mais a frente, para que chegasse um pouco depois, mas continuei a seguir-la.

A vi entrando na loja. Aquele senhor poderia salvar minha vida amorosa, só não tinha certeza se deveria entrar. Fechei os olhos, respirei, atravessei a rua. Por um triz não fui atropelado, ao ponto em que estava me sentindo indestrutível, e não liguei nem para o sinal, nem para a faixa de pedestres.

-Bom dia! - Exclamei ao entrar na loja.
Ela com cara de surpresa, olhou para mim e para o vendedor.
-Olá, senhor. Aqui está a flor que você pediu para a sua mãe.

Ele me entregou o saco com duas flores, verdes, com cheiro forte e duradouro.

-Agora, filha, porque não leva o homem até a saída da loja? Ele é um freguês.
-Poxa, pai. Fiquei preocupada, você me pediu pra eu vir correndo, achei que tinha acontecido alguma coisa.
-Querida, aconteceu. Mas você só saberá muito depois.

Aos passos tímidos, andamos lado a lado. Ao chegar na porta, ela olhou para mim vermelha, porém simpática. Examinei o saco e fiz o cálculo, tinha uma flor a mais do que eu tinha pago adiantado no dia anterior. Entreguei a ela:

-Por favor, veio a mais uma flor. Pode entregar ao seu pai?

Dei a ela como se desse uma confissão. Ela abraçou a flor como se não se importasse com os espinhos.

-Ok. Muito obrigada!

Acenei com a cabeça e beijei-a duas vezes no rosto, como despedida.
Virei as costas, mas ainda consegui ouvir quando o pai chegou perto dela, e travaram um dialogo.

-Pai, sobrou essa.
-Filha, tudo bem. Guarde para você. Use para fazer aquele vestido que você tanto queria, que a sua mãe tinha, rodeado de flores da primavera.

E as folhas cairam ao som do amor incerto.

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