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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um conto invertido

Uma arma em riste, um detetive encostado na parede do lado de fora de sua própria casa.

Seu casaco de couro bege estava acobertando totalmente seu corpo. Um chapéu, que possuía abas longas para baixo, tentando desesperadamente proteger os olhos, era o que impedia a chuva de cair no rosto humilhado do aposentado homem da lei.

O homem estava a uma situação segura. Com uma proteção no rosto, totalmente coberto por um tipo de máscara ninja, enquanto protegia-se da chuva com um sobretudo, por cima de algo que parecia uma camisa social, totalmente preta. Ele estava de luto, o fim de uma rivalidade.

"Lutamos tanto, e vamos parar agora?"
Disse o detetive, em vão.
"Pelo amor de Deus. Estou aposentado. Não sou mais o "Detetive do Caralho", que era como me chamavam. Não mato mais os bandidos que encontro, não prendo. Eu apenas tomo café e vejo o telejornal. Já faz seis anos. Você deveria se aposentar também."

O "quase-ninja" continuava paralisado, contando os momentos para que pudesse repelir toda sua raiva por um simples estalo. Só esperava a motivação. O que justificasse ele fazer isso, tudo. Ele queria uma resposta. Não só o detetive morria, mas morria também ele, sua face. Queimaria a roupa, queimaria o passado. Se renasceria ou não, não sabia, mas confiava em seus poderes de fênix. Apesar de vestir preto.

"Sabe, você sempre esteve por perto, sempre esteve tentando me deixar na merda nas investigações. E eu também sempre te deixar na merda. Se você matou pessoas, eu também matei. Você era o Moriarty do meu Sherlock Holmes."

Nesse ponto, o adversário respirou mais devagar, como se refletisse. O quase-defunto sentiu isso.

"Não sei se você sabe, mas Sherlock Holmes poderia ter sido o maior serial killer de todos os tempos. Moriarty foi seu maior professor. Talvez iguais intelectualmente, quando Moriarty posicionou seus elaborados estratagemas para criar o mal, o caos. Sherlock, vendo o maior rival de sua vida, e talvez o único, decidiu posicionar-se contra, para um jogo de mentes, ver quem seria o melhor."

Como em mil e uma noites, o detetive seduzia o atirador com as palavras.

"Foi obrigado a ficar do lado do bem. Isso o fez refletir. Por que Moriarty está do outro lado? Qual é o melhor lado? Devo lutar contra ou me juntar? Aprender? E sabe, ele ficou do lado certo. Não sei a razão, mas raciocinou até ficar do lado que decidiu. Talvez, sem o seu amado professor, acharia indiferente o crime, todos seriam muito simples e fáceis. A vida humana perderia o sentido pra ele."

O ninja inclinou a cabeça, como se a sedução houvesse chegado a realmente tomar toda sua atenção. Em meio a súplicas de vida, a sua mão tremia. Deveria aposentar-se mais cedo do que previsto? Antes de finalizar a vida de seu rival? Ele nunca vira seu rosto, se virasse e fosse embora, nada ocorreria. Nunca poderia ser achado.

E assim ele fez. Olhou para o detetive, em um flerte sombrio, contraiu a arma e deu um tiro na perna do mesmo. Virou-se e foi embora. Atirou para não ser seguido, e para que em adrenalina, o ex-policial não tivesse foco para matar-lo.


No dia seguinte, o aposentado, porém não morto, foi comprar pão. Com um gesso e os tratamentos médicos necessários já feitos na noite do dia anterior. Nenhuma queixa foi feita. Oficialmente, ele se acidentou com a própria arma.

-Boa tarde, Pedro.
-Olá, Detetive.
-Por favor. Não.
-Caralho. - E deu um sorriso fraco.
-Não, filho, nunca mais. Meu último caso foi a muito tempo. Como vai a esposa?
-Bem, bem. Vamos ter um filho.
-Outro? Ela não tava na menopausa?
-Talvez. Você pode ter se confundido com minha irmã. Minha família é muito confusa.
-Quase um labirinto.
Um frio correu na espinha de algum dos dois. Não se sabe porque, encaram-se sem razão, sem saber quem era o medroso e o confuso.
-Estou muito velho pra essa porra. Me dá 3 pães.

Pedro botou os pães no saco.

-Aqui está.
-Obrigado. Ah, e a Rainha avança duas casas.

Pedro agradeceu, e movimentou a peça no tabuleiro. E depois fez sua jogada.
Todo dia o detetive ia, e jogava, e a partida já durava séculos, sem nenhum vencedor.

Um padeiro e um homem da lei, competindo intelectualmente para ver qual dos dois receberá uma barganha maior na hora de comprar pão.

Ou será que não?

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