"Tudo terminou como começou, pai."
Disse a filha, segurando um disco de vinil. Os seus olhos eram raras pétalas amargas.
O seu vestido, azul, desbotado, agrupava-se com o máximo de atrito possível por sua pele.
Suas sandálias, verdes e feias, estavam em pés desviados da posição certa.
Com a maquiagem, roubada da mãe, borrada de tanto chorar.
A casa fedia a mofo. Só foi o tempo de João voltar de sua viagem, que lá encontrara tudo sujo.
Sua esposa afundada em um sono, afundando seu subconsciente em Whisky e Vodca.
A filha, chorando na sala, ouvindo um Viníl do Queen no toca discos.
A tevê e todos os eletrodomésticos quebrados.
"Filha, vem cá, o que houve?"
Por mais que parecesse calmo, tentava não se desesperar, até porque ele não sabia o que a pequena Maria tinha suportado nos últimos dias. Desistiu da fúria pela negligencia de sua mulher, agora perdida entre sonhos e esperanças em sua própria mente.
"Tudo, pai."
E chorou sem parar.
Ele sentiu um cheiro estranho, só para notar que vinha da própria Maria. A quanto tempo ela tinha tomado banho?
Viu alguns arranhões em seu braço quando ela tentou secar as lágrimas.
"Essa foi a primeira vez...?"
"Não..."
O pai, que antes estava de joelhos, levantara e caminhara para o quarto da mãe, no andar de cima, enquanto sua filha lhe dava a mão.
O chão, todo de madeira, gritava a cada passo. A agonia que João sentia não era pertencente à aritmética, tinha proporções caóticas.
Três dias de viagem para que o inferno ressuscitasse naquela casa. Amanda já tinha gritado e enlouquecido antes, mas nunca depois de terem sua primeira semente no solo do mundo. Ainda mais enlouquecido com ela.
Abriu a porta e ela observou a mãe, deitada em uma cama nojenta, onde pedaços de macarrão e molho se misturaram ao carpete, e o abajur entrara na Televisão, talvez para iluminar os circuitos internos.
Em desespero, a filha jogou-se no chão.
Abrindo a mala, o pai puxou uma pequena flor, e entregou-a. Suspirou fundo, tentando esconder suas lágrimas, e disse:
"Filha, papai já foi fraco, como a mamãe também já foi. Vou te contar uma história." - Parou para que suas lágrimas pudessem respirar. "Uma vez, houve uma rainha muito má. Eu a matei. Seu pai veio com uma espada, e enfiou-a em seu peito, como se a entregasse também uma rosa, e beijei seu cadáver. Ela voltou à vida como se florescesse em espanto. Andamos, criamos uma loja. Nos casamos, fiz-a vestir um vestido de rosas, só para que pudesse purificar-se sempre. Eu deixei o jardim morrer, filha. A culpa foi toda minha."
A filha não havia entendido, mas a voz confortável do pai a ajudara a reconfortar-se.
"Venha cá, minha pequena árvore. Vamos chorar juntos, não pela tristeza, mas pela renovação."
No dia seguinte, a mãe foi enterrada. Se mudaram para a loja do pai, tentaram viver felizes, e quase conseguiram. Mais velha, a filha perguntou ao pai:
-Pai... Uma coisa me vêm tirando o sono.
-Sim, filha, diga.
-Por que a culpa do jardim morrer, foi sua?
O pai pigarreou. Pediu para o assistente retirar-se.
-Porque, filha, eu me preocupei muito em podar as plantas ruins que cresciam, e acabei esquecendo de deixar sua mãe encontrar o equilíbrio. Fui pela cabeça de meus amigos, era inseguro de deixar que ela seja vista. Ela era minha planta mais perfeita. A rainha do meu jardim. Os poucos que viam ela eram privilegiados. Fui fraco, fui egoísta. Quis agradar a todos, e nunca agradei ela. A perdi para sempre. Colhi as suas plantas negras, mas nunca imaginei que ela as precisasse. Ela se afundou em insegurança e medo.
Quando terminou o monólogo, percebeu que a sua filha estava mais confusa ainda.
-Filha, pegue o seu lanche. Um dia eu te contarei melhor.
-Tá bom, pai...
Enquanto ela caminhava, ele olhou pela porta dos fundos, aonde na colina viu o túmulo de sua fadada esposa. Agora, onde um grande orvalho cinza havia nascido.
Mais tarde, o sino de que alguém entrava era presente.
Um rapaz, procurando uma flor para a amada.
O homem já sabia de onde iriam sair aquelas flores. De onde tudo começou, e se Deus quiser, não acabará por lá de novo.
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